Morango

20-07-2014 18:16

Hodiernamente as saudades domiciliam o seu ser. De nada e tudo, mas saudades, aquele sentimento luso, de explicação irrealizável e que liberta sorrisos, lágrimas boas e más, memórias inconclusivas.

Falta o cheiro do alcatrão acabado de colocar numa rua onde, até então, apenas passavam pessoas a pé. Desapareceram as pedras paralelepipedais com que construíam casas imaginárias, onde vislumbravam salas, quartos e cozinhas. Extinguiu-se a voz da mãe que as chamava às refeições e para casa quando a noite se instalava nos longos dias de Verão.

 Já não existem os pinheiros frondosos, com pinhas carregadas de frutos suculentos, casa das formigas que observavam durante horas e que protegiam “das meninas mais reguilas” que as espezinhavam. Para elas, formigas, imaginavam vidas, cogitavam onde iriam, onde fariam as suas compras, o que chamariam aos seus filhos.

Finou-se a bicicleta rosa, que servia as três crianças da casa. Quantos quilómetros percorreram, em caminhos que hoje são estradas, ou habitações, por cima de carris que hoje poucos comboios albergam, e contra muros ásperos e brancos que deixaram estranhas marcas na face de quem circulava olhando para trás.

Os grilos já não frequentam a quinta onde elas os espicaçavam com palhinhas para que saíssem dos seus buraquinhos. Ou talvez lá estejam, nas fundações dos prédios rosa que os anos fizeram erguer.

Nas mãos já não se vislumbra o tom avioletado adquirido após tardes de arranhões e pequenas feridas no meio de arbustos carregados de amoras. Eram doces, saciavam sem ser limpas ou lavadas e nada lhes fazia mal “à barriga”!

Hoje recordou estes e outros episódios. Ela não é saudosista, é “imediatista” como se costuma apelidar. Mas há sons, sabores, aromas e sensações que nunca se extinguem nas gavetas da cómoda memória. Hoje um sabor a morango paira no ar…

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