Gerar

19-07-2014 16:03

“Gerar um filho é como entrar num jogo daqueles onde existe um saco de bolas brancas e pretas. A si calhou uma cinzenta”.

Ela nunca mais obliterou estas palavras. Pensada e muito desejada, a gravidez surgiu na altura certa. Sem sobressaltos para ninguém, ainda que parecesse existir já alguma teimosia, uma vez que apenas ao quinto exame chegou a inegável constatação de que uma vida nova estava a ser gerada. Quarenta e duas semanas de alegrias, sorriso na face, espectativas, projeções, ansiedades, acompanhamento adequado, muito futebol fetal e um volume abdominal de registo.

O dia chegou. Depois de um dia de delonga no hospital “ele” lá resolveu volver-se na vida dos pais. Durante um ano ela via desenvolvimento, beleza, “bebezice” adorável naquela pequena criatura que gerara. Mas também intuía passividade de membros e insistia com o entendido que seguia a criança. Algo estava deslocado.

Ao ver o bebé sedado, fraldita cingida ao corpo franzino e comprido, entrar na máquina giratória, parecia observar um filme, longa metragem, que durante alguns meses, anos, se prolongou. Vários técnicos e tropelias e “ansiedade de mãe de primeira viagem” depois, foram chamados a entrar num gabinete de paredes brancas e cinza. Sem aviso, exame aberto e colocado num quadro branco e luminoso. O choque de ver um pequeno cérebro com uma falha, um espaço desocupado, foi brutal, inexplicável. A conversa da entendida no assunto pouco sentido fazia, mais um milímetro não andaria, não falaria, estaria “vegetal” numa cama. Abandonaram o local e durante horas não conseguiram falar nem olhar-se.

Não é explicável o que se sente quando se vê a saúde de um filho questionada. O mundo cai. Os nomes técnicos são feios, assustadores. E depois sabe-se, dentro de nós, que ele, eles, vão singrar. A mãozinha faz festas, passa pela cara da mãe de forma terna e desamparada. E a esperança aumenta, as viagens a locais especializados e as terapias ganham dimensão de normalidade, os “porquê” e “será que fui eu que lhe fiz isto” começam a dissipar-se. E “de repente” passaram doze anos. Ela está já naquela fase de perder altura para a cria e tudo é “normal”! Afinal, como diz uma adorada amiga sua, “a normalidade não existe”! Ela, eles lá de casa, construíram a sua normalidade e o nome assustador daquele diagnóstico deixou de impactar. Hoje, ela lembrou-se disto… nunca o esqueceu!

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