Ela, leitora...

06-07-2017 12:24

    O cliché clássico, passando a redundância, de que “o amor pode ter várias formas” é cumprido de forma exímia no livro “O Leitor” de Bernhard Schlink. Para mim, é a história intemporal de um amor não declarado, misto de desejo de uma primeira experiência sexual com o sonho de intimidade eterna, num par inusitado, que nos conduz pela vida de um “miúdo” e da sua Hanna! Nunca sua, porque independente e misteriosa, mas eternamente para si, completa apenas nele, por via da leitura.

    Ela era analfabeta, ele, não o sabendo, lia para ela. Ela entendia os escritos ouvidos em voz alta e firme como ninguém, adivinhava a personalidade dos escritores, repelia o que não gostava, idolatrava o que a si tocava. Ele desejava dar-lhe prazer, agradá-la, sem vislumbrar o passado escondido nos 23 anos de diferença de idades que, às vezes, os separavam. Não a queria perder e envolveu-se nos seus modos duros e diretos. Ela sabia-o fugidio, com uma vida a viver, mulher, filhos, sabendo que tal não poderia acontecer consigo. E durante gloriosos meses mantiveram viva esta relação condenada, que, até ao fim físico dos dois, nunca finou.

    Pelo meio deste amor/desejo/impulso/segurança há a dura realidade de uma fase negra da história universal recente, retrato de uma guerra idiota por uma ilusoriamente ambicionada supremacia étnica. E a culpa, a malfadada consciência que não dorme, agi assim, devia ter feito de outra forma, aconteceu assim porque eu agi mal… Amor vs culpa! Haverá ganhador?

    Em três noites, serões, ela leu este livro e teve mesmo aquela sensação de irritação ao ser interrompida, desviada da leitura, entendem? Comoveu-se, chegou-lhe uma lagrimita ao olho e fê-la pensar, sonhar… Recomenda vivamente o desfrute da sua leitura!!

    “De qualquer modo, é nisso (felicidade/tristeza pelo vivido) que penso quando calha vir-me (a história) à cabeça. Contudo, quando estou magoado reaparecem as mágoas antigas; quando me sinto culpado, volta a culpabilidade de então; e no desejo e na nostalgia de hoje, esconde-se o desejo e nostalgia de ontem. As camadas da nossa vida repousam tão perto umas das outras que no presente adivinhamos sempre o passado, que não está posto de parte e acabado, mas presente e vivido. Compreendo isso. Mas por vezes é quase suportável. Talvez tenha escrito a história para me livrar dela, mesmo que não o consiga.” (in O Leitor, cap. 12, Bernhard Shlink).

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