Colegas de SPA

17-07-2014 22:41

Quinta feira, dia 3 de julho de 2014 (manhã)

Hoje teve que confirmar em que dia da semana está… esta coisa de estar espraiada vinte horas, numa chaise longa e articulada, sem dar movimento aos músculos, afinal baralha a pessoa. Não lhe apetece repetir aquele “tratamento”. Há coisas que, uma vez experimentadas, podem e devem ficar guardadinhas numa gaveta daquelas onde colocamos as coisas de que não queremos despojar-nos, mas as quais para nada nos já servem.

Dorme, dizem-lhe, aproveita para descansar! Ora portanto: vários utentes do SPA, quiçá pouco satisfeitos com os tratamentos, emitem sons durante a noite. Pessoas trocam turnos, inteiram-se do que se passa com os clientes, levam e trazem drageias de saúde, hermeticamente acondicionadas em saquinhos estanques. Luzes acendem-se, portas abrem-se, estores não vedam a claridade que se aproxima com a aurora.

E ela lá testemunha mais um evento surreal, ou não, tendo em atenção a quantidade de opiáceos que a sua “room mate” tem que ingerir… o caso dela assemelha-se sério, o SPA tem que se aplicar no tratamento. Em alucinação a senhora quer assar sardinhas, fala com a presença efetiva de uma Maria Júlia inexistente na divisão e quer levantar-se, tratar da casa e subir ao primeiro andar onde afirma estar a sua cama. Os funcionários do SPA desvelam-se para a desembravecer, entram, saem, ela levanta-se, solta as fitas que a manietam e atravessa as grades da cama, com o seu corpo esguio de 85 anos e 35 quilos, inveja de qualquer top model em ascensão. Ela, a que aqui está, não dorme, cisma com o frenesi, e esquece o adormecimento reparador necessário para os subsequentes tratamentos corporais.

E é isto, a razão pela qual pouco se dorme aqui, e a inspiração vai brotando, alimentada por todas as personagens, já não tão anónimas agora, que com ela coabitam nestes dias. E tem um animal de estimação consigo. Por vinte e quatro horas ela, que nunca foi assim a pessoa mais amante de animais à face da terra, vai ter a companhia do Holter. Este pelo menos não ladra, não come e não tem necessidades fisiológicas. E melhor, deixa-a andar em pé, fora da maca ligeiramente desconfortável deste SPA cinco estrelas.

 

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