Carvalhal do Pombo

29-07-2014 22:00

Todas as localidades têm aquela família pitoresca, aquela personagem que nos marca a infância, os nossos “cromos” de estimação que perduram na memória. Há até aquelas terras cujo nome por si só já representa algo de marcante.

O Carvalhal do Pombo é assim. Terra pequenina entalada na serra, perto de Ourém e Torres Novas. Tem uma igreja, um cruzeiro, muitas casas já desabitadas pela emigração e pela vontade de encontrar algo melhor fora dali.

Tem até um centro comercial. Sim, porque ali onde a vêm, a mercearia da terra já serviu também de farmácia, café, tasca, e até fornecedor de combustíveis para as lamparinas. O dono tanto servia um copo de tinto, como enchia um vasilhame de petróleo e no minuto seguinte vendia uma aspirina. Pois, uma, retirada do invólucro e estendida ao cliente assim, com aquelas mãos que faziam tudo o resto. Curioso foi ele ter ficado surpreendido quando teve uma intoxicação alimentar, o que deixou toda a aldeia pesarosa. Afinal era o dono do maior espaço da terra, o conselheiro de todos, a pessoa mais importante do Carvalhal.

Perto do cruzeiro vivia a Liberta. Mulher despachada e pequenina, passava os dias na janela térrea a ver passar os vizinhos e a contar histórias do namorado que tinha partido para a tropa, e que nunca ninguém chegou a conhecer. Dizia-se uma mulher moderna, e era assim que a miudagem a apelidava, a Mulher Moderna.

Havia ainda o Amaro. Certo dia o Amaro pediu boleia ao compadre. Precisava de ir a Ourém e de moto era mais rápido que a pé. O compadre lá lhe deu boleia na Famel, e, preocupado com o conforto do viajante, ia perguntando “Vais bem Amaro?”. A falta de resposta do Amaro levava o compadre a assumir que sim, estaria bem. Afinal, quem cala consente… Chegados a Ourém o compadre olhou por cima do ombro e não viu o Amaro. Mais tarde, ao regressar ao Carvalhal, lá estava o Amaro, magoado e aborrecido. No primeiro arranque da moto havia caído desemparado no chão. Ficou sem a viagem e com algumas contusões.

A hora da oração diária era também algo de sui generis. Às 21horas as beatas do sítio estavam na igreja, fosse verão ou inverno. Eram poucas, mas assíduas, as mesmas que diariamente comentavam os acontecimentos da terra, de forma pouco católica, quiçá até mordaz. De qualquer forma ali estavam estoicamente. A “das Dores”, senhora de idade avançada, comparecia pontualmente com a sua cadeira debaixo do braço, como se não houvesse lugar para si. Chegava, colocava a cadeira no meio do corredor de acesso ao altor, em frente ao padre, e ali se instalava. Rezava tão profundamente, deixando a cabeça descair até aos joelhos, que alguém mais distraído poderia pensar que estava a dormir… E estava, mas não digam a ninguém, o padre também fingia não a ver ali mesmo em posição central em frente a Cristo.

E pronto, era assim o Carvalhal do Pombo, que alguém chamou já de Sobral da Rola… Era e é, com menos habitantes é verdade, mas gente impar ainda, sem dúvida. 

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